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Lazy Lover Undercover

Lazy Lover Undercover

Viajar sozinha pela primeira vez

Sinto que viajar sozinha mudou a minha vida ou pelo menos a maneira como a quero viver. Pôs tudo em perspectiva. Já andava a plantar esta ideia na minha cabeça, há algum tempo. Dizia-o para mim e em voz alta, às vezes, a alguém. Andei meses a ver voos e a procurar o melhor hostel para ficar, sem saber ainda se o ia realmente fazer.

Escolhi um destino que achei que seria o ideal para uma primeira viagem a solo. Cidade do país vizinho, 1h de viagem. Qualquer coisa, era enfiar-me no avião e em menos de nada estava de volta. Tinha planeado ir 4 dias, mas na semana anterior mudei de ideias (um pouco por causa disto), estendi para 10 e acrescentei uma segunda cidade a visitar. Fora a distância, não sabia absolutamente nada sobre os destinos que escolhi, mas acho que acertei em cheio.

Foi a primeira vez que viajei sozinha e foi uma viagem cheia de primeiras vezes. Fui cheia de vontade e algum medo. Demorei a soltar-me. Sou boa a inglês, mas engasguei-me toda só para fazer o check-in, no primeiro dia. O ponto alto foram as pessoas que conheci no hostel e as conversas que tive com elas. Os sitios bonitos onde estive também e até o calor insuportável que estava, e que me fazia escorrer litros e litros de suor pelo corpo, eu adorei. E a sensação de leveza que tive a meio da viagem, depois de dois dias inteiros sozinha, enquanto sentia a primeira brisa amena a soprar-me na cara, foi maravilhosa.

O hostel da primeira cidade era altamente e foi lá que vivi dos momentos mais fixes da viagem. Na minha segunda noite, a minha energia estava em baixo e, por isso, a minha intenção era ir jantar qualquer coisa rápida ao restaurante do hostel e ir dormir. Mas, quando cheguei ao restaurante, encontrei uma rapariga marroquina, que tinha conhecido de manhã, e que me fez uma festa, quando me viu. Acabei por jantar com ela e foi a melhor coisa que podia ter acontecido. A meio do jantar, juntou-se a nós um rapaz alemão e, mais tarde, uma rapariga croata. Todos nós estávamos a viajar sozinhos e encontrámo-nos ali, por acaso. No fim do jantar, ainda fui beber um copo com as duas raparigas. Nessa noite, estava com o pior aspecto possível e a precisar de um banho urgente e, mesmo assim, o empregado do bar onde fomos, um colombiano de 24 anos engraçadito, veio-me pedir o instagram, quando me estava a ir embora. Essa noite foi absolutamente inesperada e foi das melhores que tive na viagem. No dia seguinte de manhã, as duas raparigas foram embora, uma para Itália e outra para Bangkok, e eu, sem contar, acabei por passar o dia todo com o alemão à descoberta da cidade.

Na segunda cidade onde fui, fiquei num apartamento altamente só para mim, com piscina, e a meia hora a pé do centro da cidade. Fiz tudo a pé, andei quilómetros e custou-me zero. Achei que, depois da experiência na primeira cidade, me ia sentir muito sozinha ali, mas não. Passei muitas horas em silêncio, que só era interrompido nos restaurantes, para fazer o pedido, e quando alguém me pedia para tirar fotografias, e foi tranquilo. A cidade era muito bonita e entretive-me bem a fotografar e a filmar (sou videógrafa de profissão, já o fazia inconscientemente). Acabei por ficar um dia extra, para viver uma aventura. Arrependi-me várias vezes, ao longo do dia, de ter lá ficado. Já me tinha despedido da cidade no dia anterior e estava demasiado cansada para visitar o que quer que fosse. Ainda assim, fiz o esforço, mas lá está, já foi em esforço. Contudo, a noite fez tudo valer a pena. Vivi o que tinha para viver e, na manhã seguinte, voltei para a primeira cidade.

Uns dias depois, na minha penúltima noite em Espanha, voltei a jantar no tal restaurante do hostel, mas desta vez de forma planeada. Inscrevi-me num jantar entre hóspedes, que eles promoviam, e conheci dois italianos e dois americanos. A conversa foi muito boa, à volta dos sonhos, da vida, do envelhecer. Era um americano, de descendência coreana (pais da Coreia do Sul e avós da Coreia do Norte), quem lançava os temas mais interessantes. Esse jantar foi outro dos pontos altos da viagem. 

O pior de tudo foi voltar. Eu nunca tinha ouvido falar em travel blues na vida, mas bateu-me muito forte. Fui invadida por um sentimento de vazio colossal e uma ansiedade horrível. Só tinha vontade de chorar. Ainda agora não estou bem. Voltar à rotina parecia-me uma sentença de morte. Como é que depois de tudo o que vivi, das coisas incríveis que experienciei, das pessoas interessantíssimas que conheci, volto ao mesmo de sempre? Não estava a aguentar e as primeiras semanas, depois de voltar, foram vividas em piloto automático. 

Esta viagem veio-me relembrar de como adoro ir sozinha para o estrangeiro*. Adoro que ninguém me conheça, que ninguém saiba nada sobre mim. Adoro poder ser o que eu quiser, sem ninguém ter ideias viciadas do que sou, sem julgamentos. Adoro conhecer outras pessoas e não estar dependente de ninguém. Adoro poder vestir o que eu quiser, sem me sentir complexada, como acontece aqui. Em Espanha, senti-me super confiante, bonita, sexy, vista! Adorava, quando reparava que alguém me olhava duas vezes. Aqui sinto-me sempre invisível. Tinha sede de atenção e não sabia.

Estou a tentar evitar cair nos mesmos padrões de sempre. Tenho uma sensação estranha no peito, como se isto agora não me chegasse, porque vi e vivi para além disto. Eu sei que o que até agora me ocupou, não me enche as medidas, nunca encheu. O tempo tem passado a correr e, de repente, a rotina de que fugi, já se voltou a instalar. Há coisas que vivi na viagem, que agora parece que não passaram de um sonho. Nunca tinha tido esta sensação na vida. Sinto-me inquieta, com vontade de mudar de vida. Sinto desconforto e espero não deixar de o sentir. Se deixar, é porque a rotina ganhou e eu me esqueci do bom que é viver. Até aqui só sobrevivi.

Esta viagem ensinou-me também que, embora adore estar sozinha, uma boa companhia bate isso aos pontos. Na mesma medida, em que as pessoas nos podem destruir, são também elas que dão sentido à vida. Temos é de nos rodear das certas. Como me disse um professor meu, há muitos anos, "nós não somos ilhas". Acho que só agora é que percebi realmente o que isso queria dizer.

Para além de ser super interessante conhecer pessoas de outros países, faz-nos bem e é absolutamente necessário, para nos obrigar a sair da bolha em que vivemos. Vejo as stories do americano que conheci e o que para ele é rotina, para mim é novidade, o que para mim é banal, para ele é incrível. É dos melhores lembretes que posso retirar desta viagem: há mais mundo para além deste e só depende de mim descobri-lo.

A única certeza que tenho, neste momento, é de que tenho de voltar a viajar sozinha, tenho de tentar ter mais mão no trabalho e não deixar que ele me absorva como de costume, fazendo-me viver só para ele e não ter vida para além dele. É mesmo verdade que a vida acontece, quando saímos da nossa zona de conforto. Viajar sozinha deu-me a sensação de ter superpoderes e agora quero mais para mim, muito mais.

*(Em 2020, já tinha ido sozinha para a Polónia e ficado lá a viver quase 2 meses, mas os meus dias eram passados na fundação onde estava a fazer voluntariado e fui a saber que ia conhecer outros voluntários, com quem inclusive partilhei casa e quarto. Por isso, é que não considero essa a minha primeira viagem sozinha, porque foi tudo num ambiente seguro e controlado e tinha satisfações a dar, se não cumprisse o contrato.)

O mundo é dos homens

Há dias, em conversa, contava a notícia que li sobre a rapariga que foi violada na casa de banho de uma discoteca, em Gaia, quando estava inconsciente, e que o tribunal condenou a pena suspensa os dois homens que a violaram, considerando ter havido "sedução mútua". Fiquei escandalizada, quando li a notícia, mas mais ainda com as respostas que recebi, depois de a contar: "e o quê que ela foi fazer a essa discoteca?" e "ah, se antes disso se meteu com eles, não interessa". Uma tradução para isto é: "ela estava a pedi-las". Ditas por homens. Pelo meu pai e pelo meu irmão. Nem parece que têm filhas/ irmãs/ namoradas/ esposas. 

 

Revolta-me a maneira como facilmente se assume e defende que as mulheres estão a pedir as coisas más que lhes acontecem. Portugal é um país machista, não há dúvida. É como o táxista que, em dia de greve, diz em directo para a televisão que "as leis são como as meninas virgens, existem para ser violadas". Este tipo de comportamento é inaceitável para mim. Mas, pelo contrário, é quase aceite como normal nesta sociedade. Só o facto do homem dizer aquilo conscientemente e da forma mais natural possível é chocante.

 

Se os homens sentissem na pele as coisas pelas quais as mulheres passam e que eles nem sequer imaginam... Tenho medo deste mundo. Parece que o mundo é deles e não há nada a fazer. O facto de acharem que podem fazer tudo, que dominam tudo, que as mulheres perdem os direitos delas, consoante as vontades deles, seja em que situação for, é revoltante. Que se acharem que houve insinuação, independentemente de ter havido ou não, então é porque a mulher está a pedir que aconteça alguma coisa e tem de levar a vontade deles até ao fim, quer queira quer não, a bem ou mal. E quanto mais poderosos, mais intocáveis se consideram.

 

A história do Cristiano Ronaldo vem agravar este tipo de reações e mentalidades. A maior parte dos comentários que leio sobre este assunto, deixam-me revoltada. Como é que é possível que homens e mulheres pensem e digam coisas tão asquerosas como as que já ouvi e li. Recusam-se a dar o benefício da dúvida e insultam ao mais baixo nível a mulher que o acusa de violação. Eu entendo que toda a gente é inocente até prova em contrário e isto serve para os dois lados. A ser mentira a mulher sofrerá as consequências, a ser verdade, este ódio todo era a última coisa que ela precisava e o Ronaldo terá de ser castigado. E, acreditem, espero que seja mentira.

 

É urgente uma mudança de mentalidade.