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Lazy Lover Undercover

Lazy Lover Undercover

O teu nome é sinónimo de inferno

A pessoa que eu mais odeio no mundo voltou para casa. Para minha casa. A melhor coisa que me aconteceu na vida foi, precisamente, quando ele saiu de casa. Finalmente, passei a ter paz e a sentir-me bem num sítio que, para mim, até esse momento, tinha sido sempre sinónimo de inferno. E, agora, caído de pára-quedas, voltou. A namorada, com quem vivia, acabou com ele e, como a casa era dela, ele acabou recambiado para cá.

Estou a falar de uma pessoa que sempre me tratou abaixo de merda e que se orgulhava de dizer que era "um parasita da sociedade". Há muito trauma a viver em mim desses tempos. Da constante inferiorização e humilhação a que me sujeitava, dos insultos ora assumidos ora disfarçados, da manipulação aos meus pais contra mim, do caos que sempre adorou criar. Acha-se deus, acha que manda e que tem de ser tudo à maneira dele e que nós, que já cá estavamos, é que temos de seguir as regras dele. O pior de tudo é que ninguém diz nada e ele, de facto, manda e passou mesmo a ser tudo à maneira dele. A minha casa deixou de ser um sitio onde me sentia bem e passou a ser o inferno de antigamente.

Odeio a presença dele. Os meus níveis de stress e ansiedade aumentam drasticamente de cada vez que estou no mesmo espaço que ele. Odeio a voz dele, o cheiro dele, o tiques dele, odeio-o!

Sempre odiei as horas de jantar, quando ele cá estava, para mim sempre foram tortura. Pois bem, a tortura voltou e alargou-se também ao almoço e a qualquer hora do dia em que esteja em casa. A sala passou a ser um sítio a evitar, porque ele está sempre lá. As conversas que tinha com a minha mãe acabaram, porque ele está sempre lá e, para evitar que ele meta o bedelho e diga coisas para me fazer sentir mal, eu escolho simplesmente não abrir a boca, enquanto ele lá está, que é sempre.

A minha paz já era. A minha raiva, que há muito não se manifestava, está em ponto de ebulição. Os dia que correm bem são completamente arruinados por ele. As unhas são cravadas na cabeça com cada vez mais força, numa procura desesperada de alívio. 

Estou a tentar arranjar uma solução. À primeira vista, a resposta imediata seria sair de casa, porque eu sei que, agora que ele voltou, nunca mais vai sair. E eu nunca mais vou ter paz. Mas, sejamos realistas, não ganho nada por aí além e é algo que, a curto prazo, não se vai concretizar.

Pai, não sou eu que estou mal. És tu.

O meu pai faz anos. Fez questão de me dizer, várias vezes, que não queria festa de anos. Está chateado. Chateado connosco. E eu estou chateada com ele. Embora ele não saiba. Mais que chateada, estou magoada.

 

O meu pai acha que o dar-nos tudo é pagar as nossas coisas. Esquece-se é que não somos robôs. Que temos dons, sonhos e vontades que ele não pode controlar. Que não nascemos para cumprir as expectativas dele. Que o que ele acha que é o melhor para nós e que o faria feliz, a maior parte das vezes, não entra em lado nenhum na nossa vida. Porque não tem nada a ver connosco, porque não gostamos, porque não nascemos para isso, ponto. O que eu dava por ter um pai compreensivo e que me apoia. Nunca tive. Nunca terei.

 

Nunca apoiou a minha decisão de estudar comunicação. Queria à força toda que fosse para direito. E a luta que foi para mudar de ciências para humanidades, no secundário. Nunca, em 5 anos de curso (licenciatura e mestrado), me perguntou como é que estava a correr e se eu estava a gostar. Agora, já com tudo terminado, com boa média e sem nunca ir a recursos, faz questão de continuar a mostrar que não está feliz com as minhas escolhas. Acha que nunca vou conseguir fazer nada de jeito com a área que escolhi. Posso não ter um emprego das 9h às 17h, mas, para todos os efeitos, estou a trabalhar na minha área. E, de vez em quando, vou fazendo uns biscates à parte para juntar dinheiro. Nem a isso ele dá valor.

 

É triste crescer com uma pressão estúpida para ser a melhor em coisas que nunca gostei. Ter de pôr de parte aquilo em que sou boa e que me dá gozo, porque para ele não é aceitável ou digno. É até de baixo nível. Não gosta que nos contentemos com pouco. Esquece-se que o que é pouco para ele, para nós é tanto.

 

Continua preso ao passado e recusa-se a abrir os olhos. Para ele, empregos dignos continuam a ser os de antigamente. O meu não entra de todo nessa lista. Magoa-me muito que esteja constantemente a relembrar-me que sou e somos uns falhados para ele. Faz questão de estar sempre a dizer que o grande desgosto da vida dele é não ter um filho médico. Se ele que veio do nada o conseguiu ser, nós que tivemos tudo tinhamos mais do que obrigação de o ser também.

 

Mas pai, não sou eu que estou mal. És tu. Tu que insistes em ser um pai ausente. Tu que não falas connosco, a não ser para "ralhar". Que não dás carinho. Que não te esforças por ser compreensivo. Que nunca soubeste o que é apoiar. Tu que contribuis para que seja insegura e não tenha confiança nenhuma nas minhas capacidades. Tu que, continuamente, mostras que nunca serei suficientemente boa para ti. Tu que achas que a nossa obrigação é cumprir as tuas expectativas. Tu que achas que te devemos a nossa felicidade e sanidade mental. Tu que tens uma percepção de amor distorcida e, por muito que tentemos mudá-la, tu recusas deixar-te mudar.  Tu.

 

Quem me dera que não fosses médico.

 

 

"Acho que às vezes os pais querem tanto o sucesso dos filhos que acabam por não se aperceber que a felicidade está no livre-arbítrio deles e no incutir da confiança. Eles não têm que corresponder a uma vontade dos pais. Percebes? Está tudo retorcido." Manel Cruz, 7 de janeiro de 2018, Observador

 

 

A novela que é a vida da minha mãe

A minha mãe tem uma história de vida que parece uma novela. Nunca conheceu o pai, só viveu com a mãe até aos 4 anos e depois foi para uma instituição, onde esteve até aos 20 e tal anos, e por onde passou coisas que nem imaginadas. A cada história que me conta, o meu coração aperta mais. Já a aconselhei a escrever sobre esses mil episódios porque passou, acho sinceramente que ia ser uma boa terapia para ela.

 

Ontem, uma prima da terra ligou-lhe e deu-lhe uma grande novidade sobre o pai e sobre a familia dele.

 

A versão que se conhecia até agora era que o pai da minha mãe tinha ido para o Brasil, quando a minha mãe nasceu, e nunca mais tinha voltado. Parece que afinal a história não é bem assim. A minha avó veio do Brasil para Portugal grávida da minha mãe. O meu avô, que era português emigrante no Brasil, não pôde vir logo. Quando já tinha tudo pronto para vir, soube que a minha avó andava metida com um familiar dele e ficou com um desgosto tão grande que não chegou a vir. E nunca mais voltou. 

 

A verdade é que agora os meios irmãos brasileiros da minha mãe a querem conhecer.

 

A minha mãe está curiosa e bastante entusiasmada, embora diga que não. Acredito que esta nova versão dos factos lhe tenha trazido algum alívio e paz, por perceber que a história estava mal contada e que o pai dela até nem era má pessoa.

 

Já não faz sentido

O natal e a passagem de ano cada vez me dizem menos. A cada ano que passa, a paciência que as pessoas têm para estarem todas juntas diminui e o esforço que se faz para se estar à mesa a conversar aumenta. Tanta impaciência tira-me do sério e o não dar valor às coisas ainda mais. Se é para viver e me obrigarem a viver as coisas pela metade, e para reclamarem com tudo o tempo todo, prefiro mudar de tradições e fazer novas com outras pessoas mais gratas.

 

Nem pela meia noite foram capazes de esperar para brindar e assinalar devidamente a passagem do ano. Não houve contagem decrescente e as palavras foram ocas. Para mim não fez sentido. Celebramos a mudança, a passagem do tempo, a passagem de ano em 2017 e, ainda em 2017, os festejos acabaram. Se é para ser assim, para o ano janta-se e vai cada um à sua vida. Sempre fui apologista de se celebrar o natal e a passagem de ano em família. Fazia-me confusão o pessoal que passava estas datas com outras pessoas que não a família, mas agora, depois destas celebrações, desejei ter sido uma delas. 

O susto

Este ano a passagem de ano só se festejou no dia dos reis. O meu pai voltou para casa nesse dia e fizemos a nossa festa, com direito a foguetes e tudo.

 

Depois do susto, as coisas acalmaram. Ainda não voltou ao trabalho, o mínimo esforço deixa-o tonto, ainda vai demorar a recuperar. O que interessa é que está em casa e que aos poucos vai melhorando.

 

Cada vez mais acredito que as coisas acontecem por um motivo. A minha mãe disse-me que se não fosse eu, o meu pai tinha morrido. Cheguei a casa na hora H. Depois de uma semana a ir dormir às 22h, naquela noite fui sair e só cheguei a casa por volta das 02h30. E antes de subir ainda ajudei o meu irmão a carregar umas coisas. Ele tinha lá estado 5 minutos antes e estava tudo bem. Quando cheguei o meu pai chamou pelo nome do meu outro irmão, achava que era ele que tinha chegado. Fui ao pé dele dizer-lhe que tinha sido eu a chegar e não ele. O meu pai disse-me que estava muito mal disposto e estava cheio de dores e pediu-me para ir acordar a minha mãe. Já estava a chamar por ela há uns minutos, mas ela ferrada no sono, não o ouvia. Numa questão de minutos o meu pai começou a desfalecer. Liguei para os meus irmãos e para o 112. O primeiro não me atendia o telefone, o segundo nunca mais chegava e a ambulância demorou uma eternidade, quase 30 minutos, a chegar. E neste filme todo, o meu pai entrou em convulsões.

 

De casa ao hospital foi outro filme, os paramédicos não arrancaram logo, ainda estiveram um tempo à espera antes de arrancarem. Uma vez no hospital foi outra eternidade para entrar nas urgências. 


A primeira noite foi critica, embora na altura eu ainda não tivesse bem a noção. Quando finalmente pudemos ver o meu pai, o enfermeiro que o acompanhava fez muita força para que ficassemos lá com ele. A minha mãe assumiu aquilo como uma despedida, como se já não houvesse nada a fazer e nos estivesse a ser dada a possibilidade de dizer adeus. 

 

O dia seguinte foi dificil. O a seguir também. O enfermeirou disse-nos que, se por acaso não houvesse cá um hospital e tivessemos de ir ao hospital da cidade mais próxima, que é a cerca de 30 minutos, o meu pai não se safava. 

E é assim, quando achamos que está tudo bem, vem a vida dar-nos uma chapada destas para nos relembrar que não podemos baixar a guarda, nem tomar nada como garantido. 

Ser mulher, em minha casa

 

Ser mulher, em minha casa, é não puder chegar tarde a casa, porque, como me diz o meu pai "tu não és nenhum rapaz!". É ficar a arrumar a cozinha, antes e a seguir ao jantar, enquanto os homens vêm televisão e estão na sua boa vida. É não poder ficar com um baralho de cartas, porque, segundo o meu pai "tu és rapariga e as raparigas não jogam às cartas!" É levar com expressões sarcásticas dos irmãos como "faz-te homem". É não poder dizer palavrões ou soltar um arroto, porque "fica mal a uma menina". É não poder estar num dia mau, que estou logo com o período.

É ter de lidar com a incompreensão de uma familia dominada por homens, que não percebem, que as mulheres têm necessidades diferentes das deles.

Em pleno século XXI, ser mulher, em minha casa, é isto.