Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Lazy Lover Undercover

Lazy Lover Undercover

Como ele não houve mais nenhum

A primeira coisa realmente bonita que me disseram na vida foi “tens uma aura mesmo bonita”. Dita pelo Kedi que, mesmo passados tantos anos, me continua a encantar como da primeira vez. Tenho memória curta se calhar, para a tristeza que me fez sentir, quando me deu um chuto no rabo e começou a namorar com a amiga colorida, com quem andava antes de me conhecer. E as vezes que fingiu não me ver, para não ter de me cumprimentar, quando estava com ela. E o constrangimento que sentia, quando era obrigado a cumprimentar-me. Era o desconforto em pessoa. Não sei porquê. Fui um erro assim tão grande a ponto de causar tanto embaraço?

Ele é a pessoa com quem mais sonhei até hoje. Mesmo em alturas em que já nem me lembrava que ele existia, o meu inconsciente fazia questão de me lembrar de que, como ele, não houve mais nenhum na minha vida, ninguém se comparava sequer. Não faz ideia do quanto me marcou.

Tinha 20 anos, quando o conheci, ele tinha 28, e o nosso primeiro date foi passado uns meses, um dia depois de eu fazer 21. Não sabia que era date, ia só beber um copo com um amigo novo, alguém por quem estava absolutamente encantada, mas não sabia ainda que era recíproco. Confessou-me, naquela noite, que o convite para tomar café não era só porque sim, tinha sentido alto clique comigo, coisa que, antes de mim, só lhe tinha acontecido uma vez, com uma ex-namorada com quem esteve muitos anos, o grande amor da vida dele. Declarou-se, mas também me disse, que não podia estar comigo, enquanto não resolvesse a história colorida em que estava metido. Demorou 1 mês a resolver e eu esperei, pacientemente.

Fui tão feliz naquela noite. Senti uma cena que nunca tinha sentido e que nunca mais voltei a sentir. Uma reciprocidade bonita, que andava há meses a ser disfarçada de ambos os lados. Ele disse-me, álias, que durante meses fez de tudo para me evitar, até ter deixado de o fazer. Senti felicidade extrema. Depois disso fez questão de me apresentar aos amigos todos dele, muito antes de termos dado sequer o nosso primeiro beijo.

A história acabou precocemente, havia um desfasamento muito grande entre os dois. Não era só a idade, era também o facto de eu ser muito inexperiente e só ter estado com uma pessoa e ele já ter muita pedalada e ter estado com muitas. Sempre me culpei, por ele me ter deixado. Por ser tão acanhada, por não ter sido capaz de estar à vontade para ser eu perto dele. Quanto mais próximos, mais eu me fechava. Gostava tanto dele, queria tanto que desse certo, que tinha medo de abrir a boca e dizer porcaria que o fizesse perder o interesse. Ele era daquelas pessoas que toda a gente queria por perto.

Entretanto, a vida aconteceu e nisto passaram-se 8 anos. Tenho agora a idade que ele tinha, quando nos conhecemos. Continuo a comparar todo e qualquer interesse romântico meu a ele. Fantasio constantemente com um café que nunca vai acontecer. Sinto-me ridícula, por não conseguir disfarçar a felicidade de o ver, quando calha de nos cruzarmos. Meu deus, como eu queria que pudessemos ser amigos a sério, mas ele não está para aí virado. Eu não sou a mesma pessoa que era há 8 anos e ele, imagino, muito menos.

A mãe dele morreu há uns meses. Suicidou-se. Quando soube, semanas depois de ter acontecido, não consegui não lhe mandar mensagem. Não dizia nada, não havia nada para dizer, só queria que ele soubesse que lamentava e que sentia muito por ele. Achei que um coração branco o diria, sem ser invasivo. Ele agradeceu. Semanas depois, cruzámo-nos, já não nos víamos há uns 2 anos. Lembrei-me, no dia seguinte, que ele tinha feito anos nessa semana e mandei-lhe mensagem. A data da última, tirando o coração, era de 2016. Falámos por breves momentos, um diálogo curto, mas fixe, e ficámo-nos por aí.

Não faço ideia de como é que a cabeça dele está. Acho que sei, que nunca se recupera de uma tragédia destas. Se fôssemos amigos, checava-o de vez em quando, para ver como estava, mas não somos e eu não tenho esse direito. Não sei se é saudade ou nostalgia que sinto, quando penso nele, sei que entre nós não era para ser, mas que a minha vida seria muito mais rica se ele fizesse parte dela. Mas como isso nunca vai voltar a acontecer, resta-me desejar que ele fique bem e continuar a fantasiar. Acho que nunca fez mal a ninguém. Da parte dele, acho que o embaraço ainda lá está, da minha o ser rídicula é inerente.

Pai, não sou eu que estou mal. És tu.

O meu pai faz anos. Fez questão de me dizer, várias vezes, que não queria festa de anos. Está chateado. Chateado connosco. E eu estou chateada com ele. Embora ele não saiba. Mais que chateada, estou magoada.

 

O meu pai acha que o dar-nos tudo é pagar as nossas coisas. Esquece-se é que não somos robôs. Que temos dons, sonhos e vontades que ele não pode controlar. Que não nascemos para cumprir as expectativas dele. Que o que ele acha que é o melhor para nós e que o faria feliz, a maior parte das vezes, não entra em lado nenhum na nossa vida. Porque não tem nada a ver connosco, porque não gostamos, porque não nascemos para isso, ponto. O que eu dava por ter um pai compreensivo e que me apoia. Nunca tive. Nunca terei.

 

Nunca apoiou a minha decisão de estudar comunicação. Queria à força toda que fosse para direito. E a luta que foi para mudar de ciências para humanidades, no secundário. Nunca, em 5 anos de curso (licenciatura e mestrado), me perguntou como é que estava a correr e se eu estava a gostar. Agora, já com tudo terminado, com boa média e sem nunca ir a recursos, faz questão de continuar a mostrar que não está feliz com as minhas escolhas. Acha que nunca vou conseguir fazer nada de jeito com a área que escolhi. Posso não ter um emprego das 9h às 17h, mas, para todos os efeitos, estou a trabalhar na minha área. E, de vez em quando, vou fazendo uns biscates à parte para juntar dinheiro. Nem a isso ele dá valor.

 

É triste crescer com uma pressão estúpida para ser a melhor em coisas que nunca gostei. Ter de pôr de parte aquilo em que sou boa e que me dá gozo, porque para ele não é aceitável ou digno. É até de baixo nível. Não gosta que nos contentemos com pouco. Esquece-se que o que é pouco para ele, para nós é tanto.

 

Continua preso ao passado e recusa-se a abrir os olhos. Para ele, empregos dignos continuam a ser os de antigamente. O meu não entra de todo nessa lista. Magoa-me muito que esteja constantemente a relembrar-me que sou e somos uns falhados para ele. Faz questão de estar sempre a dizer que o grande desgosto da vida dele é não ter um filho médico. Se ele que veio do nada o conseguiu ser, nós que tivemos tudo tinhamos mais do que obrigação de o ser também.

 

Mas pai, não sou eu que estou mal. És tu. Tu que insistes em ser um pai ausente. Tu que não falas connosco, a não ser para "ralhar". Que não dás carinho. Que não te esforças por ser compreensivo. Que nunca soubeste o que é apoiar. Tu que contribuis para que seja insegura e não tenha confiança nenhuma nas minhas capacidades. Tu que, continuamente, mostras que nunca serei suficientemente boa para ti. Tu que achas que a nossa obrigação é cumprir as tuas expectativas. Tu que achas que te devemos a nossa felicidade e sanidade mental. Tu que tens uma percepção de amor distorcida e, por muito que tentemos mudá-la, tu recusas deixar-te mudar.  Tu.

 

Quem me dera que não fosses médico.

 

 

"Acho que às vezes os pais querem tanto o sucesso dos filhos que acabam por não se aperceber que a felicidade está no livre-arbítrio deles e no incutir da confiança. Eles não têm que corresponder a uma vontade dos pais. Percebes? Está tudo retorcido." Manel Cruz, 7 de janeiro de 2018, Observador