Se é justo, porque me sinto mal?
Fui ao estrangeiro em trabalho, cobrir um evento de uma mega empresa internacional, e vivi uma situação de merda.
Numa das noites, fomos filmar um jantar a um restaurante e, a dada altura, fui completamente abalroada por um dos empregados. Agarrou-me no início de umas escadas e depois levou-me ao encontrão até ao fim delas. A cena toda não durou sequer 1 minuto. Foi tão what the fuck que, nos primeiros cinco segundos, eu achei que era um dos meus colegas a agarrar-me por trás e a fazer-me aquela brincadeira estúpida do “isto é um assalto”, só que aquilo não parava. Virei-me para trás e vi um velho colado a mim a empurrar-me. Ainda tentei parar de lado e encostar-me para o deixar passar, mas ele, em vez disso, com todo o espaço que tinha ao lado, não me deixou e continuou atrás de mim, a empurrar-me. E foram empurrões violentos, enquanto berrava comigo na língua dele, que eu pouco ou nada percebia. Só parou no fim das escadas e ainda mandou vir com os meus colegas, que não se aperceberam de nada do que tinha acabado de acontecer.
Senti-me um autêntico objecto a ser levado ao estouro escadas acima. O empregado fez de mim o que quis. Encostei-me num canto a assimilar o que tinha acabado de acontecer, com os nervos as lágrimas vieram-me aos olhos, então, fui à casa de banho chorar 5 minutos, recompus-me e voltei ao trabalho.
Por mim, a situação tinha morrido ali e nunca ninguém teria sabido dela, mas houve duas pessoas da tal mega empresa que viram e um deles foi contar ao patrão. A situação escalou de uma maneira surreal. O patrão veio-me perguntar o que se tinha passado e depois foi pedir justificações ao pessoal do restaurante. Mandou chamar o gerente, o dono, a certa altura já falava até em polícia. Depois contaram-me que a situação só se descontrolou, porque o pessoal do restaurante nem um pedido de desculpas queria fazer e ainda gozaram com a situação de tal maneira que o patrão perdeu as estribeiras.
Enquanto aquilo acontecia, eu só rezava para que acabasse. Estava-me a sentir mal e não queria arranjar problemas a ninguém. Agora, que já passaram uns dias e já consegui reflectir sobre o que aconteceu, dou graças por ter sido feito alguma coisa e a empresa que nos contratou não ter deixado passar em branco a situação. Uma pessoa leva com tanta merda, às vezes, e nunca acontece nada, que quando finalmente alguém faz alguma coisa e há consequências, sentimo-nos mal, porque não queremos prejudicar ninguém. Mas, foda-se, eu não só não fiz mal a ninguém, como não tinha que ter levado com aquilo, nem ser tratada daquela maneira. Ninguém tem o direito de andar com uma pessoa ao estouro. Por muito stressado que o empregado estivesse, não tinha sequer que me ter tocado com um dedo, quanto mais daquela maneira. Eu também estava a trabalhar, ainda por cima no estrangeiro, nem sequer me conseguia explicar na língua dele, nem me podia passar, por estar a trabalhar e ter uma postura a manter.
Não sei o que se passou na cabeça do empregado, se é sempre assim ou se estava num dia mau. Sei que, se tivesse sido um dos meus irmãos no meu lugar, aquilo tinha dado molho na hora. Não sei se o empregado teria feito o mesmo, se fosse um homem no meu lugar. Sei que se tivesse sido com o meu patrão, ele não teria ficado calado. Sei que situações de merda como estas têm de ter consequências, ou nunca nada vai mudar, o problema é que raramente têm. Sei que, apesar de tudo, me continuo a sentir mal pelo empregado, e com o que lhe possa vir a acontecer, mas dado tudo o que se passou e que fez a situação escalar, o mais provável é não acontecer nada. Mas, se acontecesse, seria justo, mas se é justo, porque me continuo a sentir mal?