Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Lazy Lover Undercover

Lazy Lover Undercover

Amor? Sem um, nem outro

 

 

Estive tanto tempo solteira, anos mesmo, e, de repente, vi-me metida numa encruzilhada gigante entre duas pessoas.

 

Há coisa de dois/três meses, um amigo de longa data, o D, com quem tinha perdido contacto, convidou-me para tomar café. Fui, nervosa como tudo, já não o via há anos, e correu muito bem. Meio que fiquei pancazita por ele. Estava um homem bonito e super interessante, não costumo cruzar-me com pessoas tão interessantes como ele, e comecei a imaginar mil e uma coisas e a fazer muitos filmes...

 

Entretanto, fui trabalhar uns dias para uma cena e conheci um rapaz, o A. Era engraçadito e estava sempre a pegar com uma colega nossa mais nova, divertia-me muito ao vê-los aos dois. O trabalho acabou, foi cada um à sua vida e dei por mim a pensar imenso nele. Que nunca mais o ia ver na vida, que devia ter falado mais enquanto trabalhavamos, enfim.

 

Continuei a ir tomar café com o D e, embora para o segundo café não tenha ido tão entusiasmada como fui para o primeiro, a verdade é que correu muito bem e cheguei a casa contente. 

 

Nem uma semana tinha passado, desde que o trabalho tinha acabado, e eu e o A começamos a falar e, desde esse dia, nunca mais paramos. Fomos tomar café, achei-o um tone e, enquanto lá estava, percebi que nunca ia haver nada, que afinal não lhe achava assim tanta piada. Continuamos a falar e eu meio que ignorei o que senti no café.

 

O D não dava sinais nenhuns de estar para aí virado e fiquei a achar que era só mesmo a cena de sermos amigos e comecei a pôr de parte qualquer interesse que pudesse ter por ele, até porque só tomavamos café uma vez por mês e nunca falavamos a não ser para os marcar.

 

Certo dia, eu e o A fomos trabalhar juntos, calhou, chamaram-nos aos dois, e todo aquele ambiente de trabalho deu-me pica. A piada que não lhe tinha achado no dito café, naquele dia estava ao rubro. Levou-me a casa no fim, tranquilo, e convidou-me para sair no dia seguinte. 

 

No dia seguinte, acabou por se dar o beijo, que deu inicio às coisas. 

 

Andávamos há 2 semanas, quando o A foi um mês para fora. Durante esse período, o D voltou a convidar-me para tomar café. O café correu muito bem, falamos imenso sobre imensa coisa e no fim quis ir dar uma volta. Estávamos no carro a caminho e eu rezava para que fosse filme meu e que ele não tivesse interesse nenhum. Saiu-me o tiro pela culatra. Depois de muito conversarmos, aproximou-se de mim e quase me beijou. Parei-o a tempo. 

 

Ele não percebeu e eu não sabia como explicar. Disse que estava tudo bem e perguntou-me se não queria. E eu perguntei-me o mesmo: quero ou não quero? O que raio é que eu quero? A verdade é que o D é o mais parecido com o que sempre quis. É super culto, interessante, bonito, mas o A existe e eu não sei lidar com esta situação. Escolhia um em detrimento do outro? Se fizesse um prós e contras o D ganhava, mas o A dá-me segurança e vontade de estar, por outro lado, não me estimula e acrescenta a cultura que o D tem para dar e para vender e isso para mim é tão importante.

 

Tanta indecisão fez-me perceber que não estou bem com nenhum, que o melhor mesmo é continuar sozinha. 

Pai, não sou eu que estou mal. És tu.

O meu pai faz anos. Fez questão de me dizer, várias vezes, que não queria festa de anos. Está chateado. Chateado connosco. E eu estou chateada com ele. Embora ele não saiba. Mais que chateada, estou magoada.

 

O meu pai acha que o dar-nos tudo é pagar as nossas coisas. Esquece-se é que não somos robôs. Que temos dons, sonhos e vontades que ele não pode controlar. Que não nascemos para cumprir as expectativas dele. Que o que ele acha que é o melhor para nós e que o faria feliz, a maior parte das vezes, não entra em lado nenhum na nossa vida. Porque não tem nada a ver connosco, porque não gostamos, porque não nascemos para isso, ponto. O que eu dava por ter um pai compreensivo e que me apoia. Nunca tive. Nunca terei.

 

Nunca apoiou a minha decisão de estudar comunicação. Queria à força toda que fosse para direito. E a luta que foi para mudar de ciências para humanidades, no secundário. Nunca, em 5 anos de curso (licenciatura e mestrado), me perguntou como é que estava a correr e se eu estava a gostar. Agora, já com tudo terminado, com boa média e sem nunca ir a recursos, faz questão de continuar a mostrar que não está feliz com as minhas escolhas. Acha que nunca vou conseguir fazer nada de jeito com a área que escolhi. Posso não ter um emprego das 9h às 17h, mas, para todos os efeitos, estou a trabalhar na minha área. E, de vez em quando, vou fazendo uns biscates à parte para juntar dinheiro. Nem a isso ele dá valor.

 

É triste crescer com uma pressão estúpida para ser a melhor em coisas que nunca gostei. Ter de pôr de parte aquilo em que sou boa e que me dá gozo, porque para ele não é aceitável ou digno. É até de baixo nível. Não gosta que nos contentemos com pouco. Esquece-se que o que é pouco para ele, para nós é tanto.

 

Continua preso ao passado e recusa-se a abrir os olhos. Para ele, empregos dignos continuam a ser os de antigamente. O meu não entra de todo nessa lista. Magoa-me muito que esteja constantemente a relembrar-me que sou e somos uns falhados para ele. Faz questão de estar sempre a dizer que o grande desgosto da vida dele é não ter um filho médico. Se ele que veio do nada o conseguiu ser, nós que tivemos tudo tinhamos mais do que obrigação de o ser também.

 

Mas pai, não sou eu que estou mal. És tu. Tu que insistes em ser um pai ausente. Tu que não falas connosco, a não ser para "ralhar". Que não dás carinho. Que não te esforças por ser compreensivo. Que nunca soubeste o que é apoiar. Tu que contribuis para que seja insegura e não tenha confiança nenhuma nas minhas capacidades. Tu que, continuamente, mostras que nunca serei suficientemente boa para ti. Tu que achas que a nossa obrigação é cumprir as tuas expectativas. Tu que achas que te devemos a nossa felicidade e sanidade mental. Tu que tens uma percepção de amor distorcida e, por muito que tentemos mudá-la, tu recusas deixar-te mudar.  Tu.

 

Quem me dera que não fosses médico.

 

 

"Acho que às vezes os pais querem tanto o sucesso dos filhos que acabam por não se aperceber que a felicidade está no livre-arbítrio deles e no incutir da confiança. Eles não têm que corresponder a uma vontade dos pais. Percebes? Está tudo retorcido." Manel Cruz, 7 de janeiro de 2018, Observador